Palestra para o III Seminário de Aikido – Recife Abril 2000

Palestra para o III ° seminário de Aikido – Recife, abril de 2000

A via “Do” é o êxito de uma aliança entre Ação e Meditação.

Nem sempre é fácil harmonizar uma Via de procura espiritual – às vezes intensa -e uma Via
cotidiana, num mundo em que é frequente a violência e a agressividade, e o poder econômico
desenvolve, como condição de sucesso, o espírito de competitividade.
A ação (Karma), se ela se pretende justa, deve repousar sobre a lei justa (Dharma): as duas
devem marchar juntas, não podem estar separadas.

A grande questão é agir ou não agir.
A ação, na Via, é gozar uma plenitude no próprio fato de agir.
Na Via cada um desempenha um papel, seja ele cômico, trágico,
ou na maioria das vezes, tragicômico. E dificil agir sem motivos,
mas o que se pode fazer é substituir os motivos múltiplos por um motivo Único,
a purificação do mental graças à ação.

É uma evidência o fato do corpo não poder viver sem ação;
o coração, por exemplo, começa a ser ativo antes do nascimento
e continua a funcionar até a morte. O simples fato de comer já é um trabalho;
e, quando refletimos, acabamos por concluir que uma boa parte do dia
é ocupada, direta ou indiretamente, com os cuidados do corpo.
De fato, não se pode escolher entre ação e meditação.
E a interação, o “atrito” da ação e da meditação que cria a consciência,
como o atrito de duas superficies cria o calor.
E preciso também ter cuidado com os partidários da “ação contínua”;
segundo eles é suficiente estar completamente consciente no seu cotidiano,
sem que haja a necessidade de se praticar a meditação ou a reflexão.
É dificil atingir concretamente o objetivo e, portanto,
a meditação torna-se quase indispensável.
Ação não significa Ativismo: uma sobrecarga de ação que impede uma prática
regular da meditação não é boa para a Via,
sobretudo quando se trata de uma situação prolongada.

Muitos que pensam agir, são de fato agidos, empurrados
por uma agitação interior cuja origem não conseguem identificar.
A Ação é uma necessidade da Via.
Se é dito a um iniciante que não faça nada, ele acaba por se tomar preguiçoso.

Há três qualidades de Ação:
o trabalho quando é feito para se ganhar a vida;
o trabalho desinteressado;
e o trabalho despojado (sem a necessidade de um reconhecimento afetivo ou social)

“Ver a ação na inação e a inação na ação”; quem é capaz disso é um sábio, dizem os textos
antigos.

Quando se fala de ação, pensamos primeiro no domínio exterior;
mas, podemos agir também no interior: não podemos esquecer
que os próprios pensamentos são ações.
A tradição nos diz que se alguém age ou fala com um mau pensamento,
o sofrimento o persegue,
da mesma forma que a roda do carro segue as patas do boi que o puxa”.
A ação tem também, às vezes, uma tendência entrópica,
que leva à dispersão do mental e à desordem. A meditação, pelo contrário,
é capaz de reunir, de concentrar. O caos, é o movimento pelo movimento.

A verdadeira ação é transformadora: uma mudança no coração, eis a ação…
A atividade não é ação; a ação é desconhecida, sua essência está escondida.
Somente agindo desinteressadamente é possível manter
o mental silencioso na Ação. O que cria as conseqüências perturbadoras
das Ações, são as emoções de todas as formas que as acompanham.
A ação serena não tem conseqüência perturbadora.
Quando se fala de “mental vazio” não significa que se deve destruir esse mental,
mas que devemos guardá-lo em seu devido lugar,
mantê-lo no seu posto de trabalho: eis a verdadeira libertação do mental.
E uma maneira de nos adaptarmos à vida, e a qualquer situação,
de uma forma flexível.

A repetição dos gestos da vida cotidiana pode se tomar uma escola

quando se procura simplesmente fazer bem as coisas,
porque é bom fazê-las bem.
Numerosos poemas Zen fazem referência a isso:
“Milagre! Eu tiro água da fonte”. Uma coisa que merece ser feita
tem seu próprio objetivo, sua significação nela mesma.
Quando possível, é bom trabalhar em silêncio: da mesma forma,
na prática do Budo é preciso evitar as palavras inúteis.
Assim, a prática pode se tomar Meditação e Ação,
interligadas como dois vasos comunicastes:
se um está muito cheio de ação devido a um trabalho feito num estado de nervosismo mental,
essa agitação se refletirá na Técnica ou na Meditação;
se, ao contrário, sentirmos uma real plenitude cada manhã, ou na nossa prática, esta adquirirá
uma espécie de pressão natural que tomará possível estendê-la à nossa vida cotidiana: é a
capacidade de fazer alguma coisa para a perfeição e com amor, porque se tem confiança no
valor daquilo que se faz.

Um novo Mestre Zen de um monastério teve de responder
a um visitante complicado:
“Agora, você é como o Buda, um novo Buda.
Quando Buda nasceu, ocorreram numerosos milagres,
chuvas de pedras preciosas caíram do Céu, flores de ouro cresceram…
E, hoje, diga-nos que milagre poderá nos mostrar?
O Mestre respondeu apenas:
“Hoje de manhã varri a poeira na frente de minha porta”.

Georges Stobbaerts, Hanshi
Recife, 19/04/2000

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