Resumo de várias conversas com Georges Stobbaerts, que tiveram lugar na capela do Rato, com o grupo litúrgico de Lisboa.
Na sequência destas conversas foi realizado um filme para a Rádio Televisão Portuguesa.
Titulo do filme: “A simbólica do gesto”
Realização: Pe. António Rego
Como obter a interiorização necessária durante a celebração da missa?
Queria abordar este assunto pela descrição do seu oposto. O que é exteriorizar-se? É viver ao nível da periferia do ser, ao nível dos sentidos.
No nosso comportamento é o gesto que exprime melhor a exteriorização. Por meio dele traímos os movimentos psíquicos profundos.
Pelo gesto entramos em relação com os outros. Para vos dar uma ideia, aqui estão os resultados do estudo do prof. A. Mehabian. – Para uma compreensão a 100%, os três componentes: o sentido das palavras, a entoação e o gesto entram na seguinte proporção :
1 – Sentido das palavras 7%
2 – Entoação 38%
3 – Gestos 55%
Nos animais é pelo estudo do comportamento que se determinam as leis da psicologia das diferentes espécies (c. f. Estudos de K. Lorenz).
A criança observa o que a rodeia e inicia-se na vida social. Podemos comprovar a importância do mimetismo gestual no desenvolvimento da personalidade. Viver é antes de mais nada exteriorizar-se.
Um gesto ritualizado ao extrema é o das cerimónias religiosas. O rito cria um espaço sagrado que visa favorecer o encontro do individuo, ou do grupo, com o Divino.
O comportamento litúrgico também é exteriorização; observemos os gestos do padre no altar; ajoelhado, inclinado, de mãos estendidas em oferta, braços elevados ao céu, etc… O gesto é sair de si para encontrar o outro ou o Grande Sopro.
Um gesto dum tipo particular é o da ginástica. É comandado por uma procura precisa; localizando os exercícios gímnicos faz-se trabalhar um certo grupo muscular – abdominais, dorsais, peitorais, – para desenvolver de forma harmoniosa e corpulência atlética do individuo.
Com as posturas do Yoga abordamos uma outra atitude: a interiorização. Nesta palavra encontramos a raiz latina “intus”, que significa movimento para dentro. Já não dispersamos as nossas energias físicas e psíquicas, concentramo-las, juntamo-las como lupa faz convergir os raios de luz solares num ponto só.
Esta interiorização no exercido das posturas começa pela concentração (Dharana) ou Ekagrata, ou seja, a fixação da atenção num só ponto; suspender o fluxo dos estados psicomentais ; em sânscrito : “Chitta Vritti Nirodha”.
A postura torna-se correcta quando o esforço para a realizar desaparece de forma a que não haja movimento no corpo e que a mente fique estável na concentração ou na meditação. Os sentidos já não se voltam para o “exterior” (Pratyahara). Para o praticante de Yoga, Pratyahara é o movimento por meio do qual passamos duma energia habitual a uma energia subtil.
A interiorização é esse silêncio da mente que permite a escuta do corpo. Pode também exprimir-se pela beleza do gesto. No ritual da missa o gesto deve revelar o estado de unidade do sacerdote.
Para obter esta interiorização são necessários: flexibilidade, relaxação e domínio do sopro. E assim o comportamento será cada vez mais a expressão do nosso ser profundo.
Tudo isto deveria ajudar-nos a viver mais integralmente o gestual litúrgico. É preciso reencontrar a postura justa, que é um ritmo do ser total integrado no corpo.
“Os gestos mais simples podem tornar-se litúrgia se vierem do fundo do ser sem intervenção do ego. É precise depor para receber.”
A atitude interna traduz-se imediatamente nos gestos. Se conseguirmos suprimir os nossos automatismos e bloqueios então o gesto ou o movimento virão da profundidade do Eu. É o que eu chamo um gesto habitado. É o acto puro desprovido de interesse ou de lucro (em japonês Mushotoku).
Será necessário sublinhar o aspecto simbólico da postura ou deixar ao cuidado do praticante a descoberta do seu simbolismo? Aqui as opiniões divergem. Como já repararam volto sempre ao Yoga pois ele é para mim uma grande fonte espiritual. A prática das asanas favorece a emergência das imagens – símbolos que constituem, como fez notar Jung, o tecido do nosso inconsciente esse substrato de arquétipos já descrito pelo Yoga sob o nome de Koshas.
Esse estado de comunhão, essa vibração em uníssono com o Cosmo, é um aspecto da interiorização a que qualquer via (em japonês Do) normalmente conduz. A postura não é uma fuga ou um refugiar-se em si mesmo, mas sim a libertação do ego.
Assim, devemos cuidar de não impor um palavreado intelectual dificilmente assimilável pela maioria das pessoas. O que o praticante descobrir por si mesmo marcá-lo-á definitivamente e servir-lhe-á de referência.
Os grandes profetas, como Cristo, souberam utilizar palavras que falavam do fundo do ser e encontraram imagens universais que constituem a “Grande Simbólica do Gesto”.
A interiorização em Yoga conduz a Dhyana (meditação), e as meditações mais simples, as mais acessíveis a todos, são as que utilizam os grandes temas cósmicos: os elementos (a água, o fogo, a terra, o ar), etc…
Não esqueçamos que a postura justa é encontrar no Cosmos, na vida em que estamos todos mergulhados, um pouco da vida Divina a que eu chamo “GRANDE SOPRO”.